Transtorno Depressivo Induzido por Substância/Medicamento

Critérios Diagnósticos

A. Uma perturbação proeminente e persistente do humor que predomina no quadro clínico, caracterizada por humor depressivo ou diminuição acentuada de interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades.

B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de (1) e (2):

1. Os sintomas no Critério A desenvolveram-se durante ou logo após intoxicação ou abstinência de substância ou após exposição a medicamento.

2. A substância/medicamento envolvida é capaz de produzir os sintomas no Critério A.

C. A perturbação não é mais bem explicada por um transtorno depressivo não induzido por substância/medicamento. Tais evidências de um transtorno depressivo independente podem incluir:

Os sintomas precedem o início do uso da substância/medicamento; os sintomas persistem por um período substancial (p. ex., cerca de um mês) após a cessação da abstinência aguda ou intoxicação grave; ou existem outras evidências sugerindo a existência de um transtorno depressivo independente, não induzido por substância/medicamento (p. ex., história de episódios recorren- tes não relacionados a substância/medicamento).

D. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de delirium.

E. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

Nota: Este diagnóstico deve ser feito em vez de um diagnóstico de intoxicação por substância ou abstinência de substância apenas quando os sintomas no Critério A predominam no quadro clínico e quando são suficientemente graves a ponto de justificar atenção clínica.

Nota para codificação: Os códigos da CID-9-MC e da CID-10-MC para os transtornos depressivos induzidos [por substância/medicamento específico] são indicados na tabela a seguir. Observe que o código da CID-10-MC depende da existência ou não de um transtorno comórbido por uso de substância presente para a mesma classe de substância. Se um transtorno leve por uso de substância é comórbido ao transtorno depressivo induzido por substância, o caractere da 4a posição é “1”, e o clínico deve registrar “transtorno por uso de [substância] leve” antes do transtorno depressivo induzido por substância (p. ex., “transtorno por uso de cocaína leve com transtorno depressivo induzido por cocaína”). Se um transtorno por uso de substância moderado ou grave for comórbido ao transtorno depressivo induzido por substância, o caractere da 4a posição é “2”, e o clínico deve registrar “transtor- no por uso de [substância], moderado” ou “transtorno por uso de [substância] grave”, dependendo da gravidade do transtorno por uso de substância comórbido. Se não existe transtorno por uso de substância comórbido (p. ex., depois de uma ocorrência de uso pesado da substância), então o caractere da 4a posição é “9”, e o clínico deve registrar apenas o transtorno depressivo induzido por substância.

tabela - transtorno depressivo induzido por substância-medicamento

Procedimentos para Registro

CID-9-MC. O nome do transtorno depressivo induzido por substância/medicamento começa com a substância específica (p. ex., cocaína, dexametasona) que presumivelmente está causando os sintomas depressivos. O código diagnóstico é selecionado a partir da tabela inclusa no conjunto de critérios, a qual está baseada na classe de drogas. Para substâncias que não se enquadram em qualquer uma das classes (p. ex., dexametasona), o código para “outra substância” deve ser usado, e, nos casos em que uma substância é considerada um fator etiológico, mas se desconhece sua classe específica, a categoria “substância desconhecida” deve ser usada.

O nome do transtorno é seguido pela especificação do início (i.e., início durante a intoxica- ção, início durante a abstinência). Diferentemente dos procedimentos de registro da CID-10-MC, que combinam o transtorno induzido por substância e o transtorno por uso de substâncias em um único código, para a CID-9-MC, é dado um código diagnóstico separado para o transtorno por uso de substância. Por exemplo, no caso de sintomas depressivos ocorrendo durante a abs- tinência em um homem com um transtorno por uso de cocaína, grave, o diagnóstico é 292.84 transtorno depressivo induzido por cocaína, com início durante a abstinência. Um diagnóstico adicional de 304.20 transtorno por uso de cocaína, grave, também é dado. Quando se considera que mais de uma substância desempenha papel significativo no desenvolvimento de sintomas de humor depressivo, cada uma deve ser listada separadamente (p. ex., 292.84 transtorno depressivo induzido por metilfenidato, com início durante a abstinência; 292.84 transtorno depressivo induzido por dexametasona, com início durante a intoxicação).

CID-10-MC. O nome do transtorno depressivo induzido por substância/medicamento começa com o nome da substância específica (p. ex., cocaína, dexametasona) que presumivelmente está causando os sintomas depressivos. O código diagnóstico é selecionado a partir da tabela inclusa no conjunto de critérios, a qual está baseada na classe de drogas e na presença ou ausência de um transtorno por uso de substância comórbido. Para substâncias que não se enquadram em qual- quer uma das classes (p. ex., dexametasona), o código para “outra substância” deve ser usado, e, nos casos em que uma substância é considerada um fator etiológico, mas se desconhece sua classe específica, a categoria “substância desconhecida” deve ser usada.

Ao registrar o nome do transtorno, o transtorno por uso de substância comórbido (se hou- ver) é listado primeiro, seguido pela palavra “com”, seguida pelo nome do transtorno depressivo induzido por substância, seguido pela especificação do início (i.e., início durante a intoxicação, início durante a abstinência). Por exemplo, no caso de sintomas depressivos ocorrendo durante a abstinência em um homem com um transtorno por uso de cocaína, grave, o diagnóstico é F14.24 transtorno por uso de cocaína, grave, com início durante a abstinência. Um diagnóstico separado do transtorno por uso de cocaína, grave, comórbido, não é dado. Se o transtorno depressivo induzido por substância ocorre sem um transtorno por uso de substância comórbido (p. ex., depois de uma vez de uso pesado da substância), outro transtorno por uso de substância não é anotado (p. ex., F16.94 transtorno depressivo induzido por fenciclidina, com início durante a intoxicação). Quando se considera que mais de uma substância desempenha um papel significativo no desenvolvimento de sintomas de humor depressivo, cada uma deve ser listada separadamente (p. ex., F15.24 transtorno por uso de metilfenidato, grave, com transtorno depressivo induzido por metilfenidato, com início durante a abstinência; F19.94 transtorno depressivo induzido por dexametasona, com início durante a intoxicação).

Características Diagnósticas

As características diagnósticas do transtorno depressivo induzido por substância/medicamento incluem os sintomas de um transtorno depressivo, como o transtorno depressivo maior; entretanto, abstinência está associada a ingestão, injeção ou inalação de uma substância (p. ex., droga de abuso, exposição a uma toxina, medicamento psicotrópico, outro medicamento) e persiste além da duração esperada dos efeitos fisiológicos, da intoxicação ou do período de abstinência. Conforme evidenciado pela história clínica, pelo exame físico ou por achados laboratoriais, o transtorno depressivo relevante deve ter-se desenvolvido durante ou em até um mês após o uso de uma substância que é capaz de produzir o transtorno depressivo (Critério B1). Além disso, o diagnóstico não é mais bem explicado por um transtorno depressivo independente. As evidên- cias de um transtorno depressivo independente incluem o transtorno depressivo precedendo o início da ingestão ou abstinência da substância; o transtorno depressivo persistindo além de um período substancial de tempo após a cessação do uso da substância; a sugestão da existência de um transtorno depressivo não induzido por substância/medicamento independente (Critério C). Esse diagnóstico não deve ser feito quando os sintomas ocorrem exclusivamente durante o curso de delirium (Critério D). O transtorno depressivo associado ao uso de substância, à intoxicação ou à abstinência deve causar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo para se qualificar para esse diagnóstico (Critério E).

Alguns medicamentos (p. ex., estimulantes, esteroides, L-dopa, antibióticos, drogas que atuam no sistema nervoso central, agentes dermatológicos, agentes quimioterápicos, agentes imunológicos) podem induzir perturbações depressivas do humor. O julgamento clínico é essencial para determinar se o medicamento é o verdadeiro causador do transtorno depressivo ou se um transtorno depressivo primário teve seu início enquanto a pessoa recebia o tratamento. Por exemplo, um episódio depressivo que se desenvolveu durante as primeiras semanas de início de alfametildopa (um agente anti-hipertensivo) em um indivíduo sem história de transtorno depressivo maior qualifica-se para o diagnóstico de transtorno depressivo induzido por medicamento. Em alguns casos, uma condição estabelecida de forma prévia (p. ex., transtorno depressivo maior, recorrente) pode ter recorrência enquanto o indivíduo está coincidentemente tomando um medicamento que tem a capacidade de causar sintomas depressivos (p. ex., L-dopa, contraceptivos orais). Nesses casos, o clínico deve julgar se o medicamento é causador nessa situação particular.

Um transtorno depressivo induzido por substância/medicamento é diferenciado de um transtorno depressivo primário mediante a consideração do início, do curso e de outros fatores associados ao uso da substância. Deve haver evidências a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais de uso de substância, abuso, intoxicação ou abstinência antes do início do transtorno depressivo. O estado de abstinência de algumas substâncias pode ser relativamen- te retardado, e, dessa forma, sintomas depressivos intensos podem durar um longo período após a cessação do uso da substância.

Prevalência

Em uma população adulta representativa dos Estados Unidos, a prevalência durante a vida de um transtorno depressivo induzido por substância/medicamento é de 0,26%.

Desenvolvimento e Curso

Um transtorno depressivo associado ao uso de substância (i.e., álcool, drogas ilícitas ou um tratamento prescrito para um transtorno mental ou outra condição médica) deve ter seu início enquanto o indivíduo está usando a substância ou durante a abstinência, se houver uma síndrome de abstinência associada à substância. Com mais frequência, o transtorno depressivo tem seu início nas primeiras semanas ou após um mês de uso da substância. Depois que esta é descontinuada, os sintomas depressivos geralmente desaparecem no período de dias a várias semanas, dependendo da meia-vida da substância/medicamento e da presença de uma síndrome de abstinência. Se os sintomas persistem quatro semanas além do curso de tempo esperado da abstinência de uma substância/medicamento particular, outras causas para os sintomas de humor depressivo devem ser consideradas.

Embora existam poucos ensaios controlados prospectivos examinando a associação dos sintomas depressivos com o uso de medicamento, a maioria dos relatos é de estudos de controle pós-comercialização, estudos observacionais retrospectivos ou relatos de caso, dificultando a de- terminação das evidências de causalidade. As substâncias implicadas no transtorno depressivo induzido por medicamento, com graus variados de evidências, incluem os agentes antivirais (efavirenz), agentes cardiovasculares (clonidina, guanetidina, metildopa, reserpina), derivativos do ácido retinoico (isotretinoína), antidepressivos, anticonvulsivantes, agentes antienxaqueca (triptanos), antipsicóticos, agentes hormonais (corticosteroides, contraceptivos orais, agonistas do hormônio liberador de gonadotrofina, tamoxifeno), agentes de cessação do fumo (vereniclina) e agentes imunológicos (interferon). Entretanto, outras substâncias potenciais continuam a surgir à medida que novos compostos são sintetizados. Uma história de uso de tais substâncias pode ajudar a aumentar a certeza diagnóstica.

Fatores de Risco e Prognóstico

Temperamentais. Os fatores que parecem aumentar o risco de transtorno depressivo induzido por substância/medicamento podem ser conceitualizados como pertencendo ao tipo específico de droga ou a um grupo de indivíduos com transtornos por uso de álcool ou droga subjacentes. Os fatores de risco comuns a todas as drogas incluem história de transtorno depressivo maior, história de depressão induzida por droga e estressores psicossociais.
Ambientais. Também existem fatores de risco relativos a um tipo específico de medicamento (p. ex., aumento da atividade imunológica antes do tratamento para hepatite C associado a de- pressão induzida por interferon alfa); a altas doses (mais do que 80 mg/dia de equivalentes da prednisona) de corticosteroides ou altas concentrações plasmáticas de efavirenz; e alto conteúdo de estrogênio/progesterona em contraceptivos orais.
Modificadores do curso. Em uma população adulta representativa nos Estados Unidos, com- parada com indivíduos com transtorno depressivo maior que não tinham um transtorno devido ao uso de substância, os indivíduos com transtorno depressivo induzido por substância tinham mais probabilidade de ser do sexo masculino, negros, ter no máximo o diploma do ensino médio, não ter seguro e ter renda familiar mais baixa. Eles também tinham mais probabilidade de relatar maior história familiar de transtornos por uso de substâncias e comportamento antissocial, maior história de eventos estressantes na vida nos 12 meses precedentes e maior número de critérios para transtorno depressivo maior do DSM-IV. Tinham mais probabilidade de relatar sentimentos de desvalia, insônia/hipersonia, pensamentos de morte e tentativas de suicídio, porém menos probabilidade de relatar humor depressivo e perda parental por morte antes dos 18 anos.

Marcadores Diagnósticos

A determinação do uso de substância pode ocasionalmente ser feita por meio de ensaios labora- toriais da substância suspeita no sangue ou na urina para corroborar o diagnóstico.

Risco de Suicídio

A suicidalidade induzida por droga ou emergente no tratamento representa uma alteração acentuada nos pensamentos e no comportamento da linha de base da pessoa, está, em geral, temporariamente associada ao início do uso de uma substância e deve ser distinguida dos transtornos mentais primários subjacentes.

No tocante à suicidalidade emergente no tratamento com antidepressivos, um comitê consultivo da U.S. Food and Drug Administration (FDA) considerou metanálises de 99.839 participantes arrolados em 372 ensaios clínicos randomizados de antidepressivos em ensaios para transtornos mentais. As análises mostraram que, quando os dados eram agrupados em todas as faixas etárias adultas, não havia risco aumentado perceptível de comportamento ou ideação suicida. Entretanto, em análise estratificada por idade, o risco para pacientes entre 18 e 24 anos era elevado, embora não significativamente (razão de chances [RC] = 1,55; IC de 95% = 0,91-2,70). As metanálises da FDA revelam um risco absoluto de suicídio em pacientes que estão tomando antidepressivos em estudo de 0,01%. Em conclusão, o suicídio emergente no tratamento é claramente um fenômeno muito raro, porém o desfecho de suicídio foi suficientemente sério fazendo a FDA emitir uma advertência de caixa preta, em 2007, referente à importância do monitoramento criterioso da ideação suicida emergente no tratamento entre pacientes que estão recebendo antidepressivos.

Diagnóstico Diferencial

Intoxicação por substância e abstinência de substância. Sintomas depressivos costumam ocorrer em intoxicação por substância e em abstinência de substância, e o diagnóstico de intoxicação ou abstinência por substância específica em geral será suficiente para categorizar a apresentação sintomática. Deve ser feito um diagnóstico de transtorno depressivo induzido por substância em vez de um diagnóstico de intoxicação por substância ou abstinência de substância quando os sintomas de humor são suficientemente graves para serem objeto de atenção e tratamento. Por exemplo, humor disfórico é uma característica típica da abstinência de cocaína. Deve ser diagnosticado transtorno depressivo induzido por substância/medicamento em vez de abstinência de cocaína apenas se a perturbação de humor é substancialmente mais intensa ou de duração mais longa do que se encontra em geral na abstinência de cocaína e se é suficientemente grave a ponto de ser um foco separado de atenção e tratamento.
Transtorno depressivo primário. O transtorno depressivo induzido por substância/medica- mento distingue-se de um transtorno depressivo primário pelo fato de que uma substância está supostamente relacionada de forma etiológica aos sintomas, conforme descrito anteriormente (ver a seção “Desenvolvimento e Curso” para esse transtorno).
Transtorno depressivo devido a outra condição médica. Uma vez que os indivíduos com outras condições médicas frequentemente tomam medicamentos para esses problemas, o clínico precisa considerar a possibilidade de os sintomas de humor serem causados pelas consequências fisiológicas da condição médica, e não pelo medicamento, sendo que, nesse caso, se aplica um diagnóstico de transtorno depressivo devido a outra condição médica. A avaliação da história do paciente com frequência oferece a base primária para tal julgamento. Às vezes, uma mudança no tratamento para a outra condição médica (p. ex., substituição ou descontinuação do medicamento) pode ser necessária para determinar empiricamente se o medicamento é o agente causador. Se o clínico se assegurou de que a perturbação se deve tanto a outra condição médica quanto ao uso ou abstinência de uma substância, ambos os diagnósticos (i.e., transtorno depressivo devido a outra condição médica e transtorno depressivo induzido por substância/medicamento) podem ser dados. Quando existem evidências insuficientes para determinar se os sintomas depressivos estão associados à ingestão de substância (inclusive medicamentos), a abstinência ou a outra condição médica ou se são primários (i.e., não devidos a uma substância nem a outra condição médica), os diagnósticos de outro transtorno depressivo especificado ou de transtorno depressivo não especificado são indicados.

Comorbidade

Comparados a indivíduos com transtorno depressivo maior e sem transtorno por uso de substância comórbido, aqueles com transtorno depressivo induzido por substância/medicamento têm taxas mais elevadas de comorbidade com um transtorno mental do DSM-IV; têm mais probabilidade de ter transtornos específicos do DSM-IV, como jogo patológico e transtornos da personalidade paranoide, histriônica e antissocial; e têm menos probabilidade de ter transtorno depressivo persistente (distimia). Comparados a indivíduos com transtorno depressivo maior e um transtorno por uso de substância comórbido, aqueles com transtorno depressivo induzido por substância/medicamento têm mais probabilidade de ter transtorno por uso de álcool; entretanto, têm menos probabilidade de apresentar transtorno depressivo persistente.


O texto acima possui caráter exclusivamente informativo. Jamais empreenda qualquer tipo de tratamento ou se automedique sem a orientação de um especialista.