Acácia - Psicologia & Psiquiatria

“Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro”

Por: Ms. Caroline Drehmer Pilatti, psicóloga

Citando Freud, pai da Psicanálise, começo este artigo refletindo sobre o tema… Por que temos que ser de ferro, ou seja, por que precisamos suportar tanto?

Diariamente ouvimos notícias lamentáveis! A guerra civil na Síria e os refugiados na Europa. O Estado Islâmico e o terrorismo pelo mundo. A disseminação e ameaça causada por vírus como dengue, zika, H1N1 e outros. A violência e as balas perdidas no Rio de Janeiro. As denúncias da lava jato e a crise econômica.

E quando tomamos conhecimento disso tudo? Indo para o trabalho (muito bom se você tem um trabalho!), no rádio do carro, na TV do metrô ou na capa de revistas ou jornais, enfim, lugares onde nós passamos diariamente algum tempo até chegar ao destino. A propósito, trabalho este que precisamos nos dedicar cada vez mais, ainda mais e melhor. Afinal, estamos vivendo uma crise política e econômica, a qual exige que estejamos cada vez dispostos e disponíveis. O número de demissões cresce em todas as empresas privadas e mesmo em órgãos públicos, e não podemos ser os próximos da lista, estejamos disponíveis!

Se tentamos nos “alienar” de todas estas notícias com uma boa playlist na ida ao trabalho, não se enganem: em cidades como São Paulo, também teremos que enfrentar o trânsito até chegar em casa… E quando retornamos para casa, o que fazemos? Quem encontramos? Quais outros “leões” muitas vezes ainda precisaremos “matar” até termos, com sorte e sem insônia, algumas horas de sono? Problemas de relacionamento com pais, com o(a) companheiro(a), dificuldades em educar os filhos, doenças na família ou problemas com os vizinhos, enfim, quantos problemas!

Caros leitores, me desculpem! Não quero, de forma alguma, fazer uma descrição pessimista/dolorosamente realista do mundo e das nossas vidas. O meu objetivo final é (tentar) responder uma pergunta que há muito me intriga: por que alguns de nós conseguem lidar com todos os aspectos da vida, de forma razoavelmente saudável, e por que alguns (muitos) de nós acabam adoecendo no meio disso tudo? Por que somos tão diferentes?

Toda essa descrição de um possível cotidiano permite compreender por que aprendemos a ver perigo onde nem sempre existe (Transtorno do Pânico), sentimos ansiedade e antecipamos as preocupações o tempo todo (Ansiedade Generalizada), reconhecemos preocupações irreais, mas não conseguimos não estar sensíveis a elas (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), ou simplesmente desistimos disso tudo (Transtorno Depressivo).

Sobre todos estes estados emocionais, falarei ao longo das próximas semanas, tentando contar um pouco de como cada transtorno funciona e os objetivos terapêuticos para cada um deles. Neste momento, prefiro falar um pouco de como são as pessoas que permanecem emocionalmente saudáveis no meio deste turbilhão chamado rotina.

Além da nossa dotação genética – ou seja, de características que herdamos dos nossos pais – nossa convivência e aprendizagem é o que mais determina nossa capacidade de encarar as dificuldades do dia a dia, ou de ser de ferro, como diria Freud. Quando nos tornamos resistentes a frustrações, como costumam dizer os terapeutas, isso significa dizer que desenvolvemos ao longo de nossa vida uma capacidade de estarmos menos sensíveis a algumas situações adversas ou que, mais adequadamente, que conseguimos extrair delas lições positivas que nos ajudam a seguir em frente.

Pessoas resilientes (outro termo utilizado com frequência na psicologia) são pessoas que, ao longo de suas vidas, foram enfrentando dificuldades, de forma gradual, e que foram amparadas e bem-sucedidas na maior parte delas. Ou seja, são pessoas que construíram autoconfiança e estão certas de quem podem contar com os outros quando precisam. Não significa dizer que nunca foram derrotadas ou que não se decepcionaram. São pessoas capazes de equilibrar as “vitórias” e as “derrotas” da vida, e aprender uma boa lição quando as coisas não caminham conforme o planejado. Alguns pacientes certamente me perguntariam: pois bem, onde compra resiliência então? Má notícia… experiências de vida não estão à venda!

Resiliência é um padrão de comportamento aprendido desde cedo, em famílias de pais ou cuidadores que ajudam a descrever e nomear o mundo e os sentimentos da criança, atentos ao desenvolvimento da autonomia e ao mesmo tempo disponíveis para acolher e ajudar. Esta não é uma tarefa fácil e, não raro, pais buscam treinos parentais (muito bem-vindos!) para ajudá-los com o desenvolvimento dos filhos.

Mas se você já cresceu e não sabe o que fazer com tantas situações e sentimentos, aqui seguem algumas dicas!

1 – Estabeleça uma rotina (possível) e coloque-a em prática! Muitas vezes estabelecemos metas para o nosso dia como se ele tivesse 30 horas, ou, por termos tantas atividades, acabamos não planejando nada e “esperando” que o tempo seja suficiente para tudo. Não funciona. Precisamos definir tarefas possíveis dentro do nosso horário real e buscar realizá-las, acompanhá-las e, principalmente, nos felicitar por concluí-las. Isso significa desenvolver o sentimento de autoconfiança e o conceito de ser capaz de dar conta de si mesmo. Tente, vamos lá: o que você fará amanhã? Lembre-se: uma agenda sobrecarregada produzirá o sentimento de insegurança e incapacidade e, é claro, não é isso que você deseja. Portanto, seja realista e lembre-se: o dia tem 24 horas!

2 – Alimente-se bem. Isso parece (e é) conselho de vó, mas é a mais pura verdade. Comer alimentos saudáveis e respeitar a regularidade das refeições contribui para termos mais energia e também para estabelecer horários para as demais atividades do dia. Ao contrário disso, quando a alimentação é inadequada ou em horários irregulares, costumeiramente sentimos menos ânimo e acabamos comendo em excesso quando temos a oportunidade. Cuide da sua alimentação. Mas também não pire com isso; parece que uma pitada de bom senso sempre ajuda no equilíbrio alimentar. Muitas dúvidas sobre o tema? Busque ajuda com um profissional da área e desenvolva hábitos/comportamentos saudáveis para o seu corpo!

3 – Pratique uma atividade física (com regularidade). A maioria das pessoas que não pratica atividade física relata não ter horário na agenda para isso. Mas são as pessoas que, muitas vezes, passam horas do domingo no shopping ou esticados no sofá assistindo a TV (nada contra!). Mas sim, há tempo na sua agenda! O que não há (na maioria das vezes) é prioridade. Vamos lá: desça do ônibus ou estacione o carro mais longe do trabalho e caminhe algumas quadras. Dispense o elevador e suba até seu apartamento pelas escadas. Aproveite o fim de semana para um passeio no parque ou atividades ao ar livre. Você não precisa fazer muita atividade física para considerar que está fazendo alguma atividade física. Comece aos poucos, passeie com o seu cachorro 15 minutos por dia (ótimo programa para os dois!), e, aos poucos, os resultados vão aparecendo: mais disposição e energia para todas as suas atividades, melhora no apetite e no sono, satisfação com o corpo, muitas endorfinas e bem-estar!

4 – Tenha bons sonhos (durma!). Sim, dormir é fundamental. Algumas pessoas precisam de oito horas, outras de seis horas de sono, não importa. O que importa é acordar e sentir-se renovado, ou seja, descansado e com disposição para enfrentar as atividades do dia. Dicas simples são sempre válidas: um banho morno antes de deitar, um chá de camomila e mel, um ambiente confortável e escuro, a ausência de aparelhos eletrônicos… E, principalmente, o exercício diário de relaxar e “desligar” dos problemas, afinal, só encontraremos resoluções para eles no dia seguinte… Boa noite! (E caso tenha problemas de sono recorrentes e persistentes, busque ajuda médica.)

5 – Pratique o lazer em sua vida. Você gosta do seu trabalho? Que ótimo, afinal você certamente dedica muitas horas do seu dia para ele! E o que mais você faz? Do que você gosta? Infelizmente, muitos de nós acreditam que o lazer deve ser reservado para os 15 dias (ou 20 ou 30) de férias tirados ao longo do ano, ou seja, trabalhamos aproximadamente 340 dias na expectativa de como serão os incríveis dias das férias, afastados do nosso trabalho. Errado (ou não recomendado…). Isso porque nos faz bem desenvolver atividades que gostamos (ou que gostaríamos de aprender) ao longo do ano, ou seja, quase todos os dias. Você pode ouvir música (ótimo) ou aprender a tocar seu instrumento predileto (melhor ainda!). Você pode assistir um filme sobre arte, ou ir até um museu ou iniciar um curso fora de casa (melhor ainda!). Você pode conversar com seus amigos pela internet (bom) ou marcar um encontro casual e jogar conversa fora (muito melhor ainda!). Enfim, seu cérebro (e seu corpo) será muito grato por toda e qualquer novidade que você acrescentar a sua vida, como uma espécie de hobbieterapia!

6 – Tenha relações de apoio e afeto – é, novamente, mais uma famosa frase: “não somos uma ilha”… Solidão não combina com as características e estilo de vida do ser humano. Solidão cria sentimentos de incapacidade de construir e manter relações e baixa autoestima. Ou seja, construímos nossa autoimagem com o reconhecimento e opinião do outro, e desenvolvemos nosso melhor potencial quando sabemos que podemos contar com o apoio de outras pessoas. Gostamos de dividir alegrias. E também tristezas. Isso não significa dizer que nascemos “sabendo” nos relacionar. Isso também é aprendido, desde casa, com relações na família, na escola e em outros grupos. Nem sempre isso acontece ou dá muito certo. Se você se sente só e não sabe por onde começar, busque ajuda. Você pode aprender coisas novas sobre você e sobre como relacionar-se com os outros.

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O texto acima possui caráter exclusivamente informativo. Jamais empreenda qualquer tipo de tratamento ou se automedique sem a orientação de um especialista.